É Diferente mas Igual
Como vimos, os estudos de neuromarketing mostraram que o processo decisório é fortemente baseado na emoção - ou a parte feminina do cérebro - que, por sua vez, é o elo principal que une religião e o consumo. Mas Lindstrom (2009) mapeou outros dez pontos onde ambos se conectam de forma intrinseca:
1 - Sensação de Pertencimento - participar de uma determinada igreja evoca as mesmas sensações de usar produtos de uma marca, quase como sentir-se membro de um clube restrito - donos de Harley Davidson e macmaníacos que os digam. Religiões possuem um fator de agregação social muito forte e isso também é encontrado no consumo de marcas, onde este é impulsionado por uma necessidade de aceitação social, pois a etiqueta fala pela pessoa bem como fazer parte de um grupo religioso pode dizer muito sobre o caráter e valores dela.
O consumo de marcas esportivas, por exemplo, segue o mesmo padrão. Entre homens: em quantas rodas de estranhos já não iniciamos uma conversa ao saber que a pessoa torcia para o mesmo time que você? Isso ajuda na aproximação. E a devoção igualmente religiosa tendendo ao fanatismo de determinados torcedores que os une em um grupo? O termo "nação corintiana" aciona os mesmos mecanismos emocionais do que "povo de Deus" em termos de agregação social. Vemos a mesma coisa no ramo musical. Fãs de rock existem aos montes andando com as suas camisas pretas, cabelos grandes reunindo-se em suas diversas tribos. O homem possui uma necessidade instintiva de se reunir, fazer parte de grupos assim como várias espécies de mamíferos, principalmente os superiores, e lembrando São Tomás de Aquino em 1273: "O homem é por natureza, animal social e político, vivendo em multidão."
Religiões tendem a utilizar outro significativo conceito agregador: a família. Existe laço mais forte do que o familiar? Talvez o maior exemplo disso seja o do povo Judeu. Há séculos uma cultura que resistiu sem unidade territorial, suportando vários períodos de escravidão e até a perda da escrita (quando escravos na Babilônia). Mas eles se mantiveram devido ao sentimento familiar em manter um laço milenar com um ser superior. No outro lado da moeda, a abordagem familiar é utilizada também por marcas como recentemente em um vídeo mostrando uma confusão relativa ao cancelamento de um show da banda brasileira Restart. Os fãs, pré adolescentes, chorando compulsivamente dizendo que eles eram da "família Restart" e que não poderia estar acontecendo aquilo com eles.
Por fim, não existem semelhanças entre os fiéis reunidos assistindo um pastor falando das recompensas espirituais ao seguirem aquelas palavras e o grupo de fãs vendo Steve Jobs no palco trazendo as boas novas em forma de objetos eletrônicos? Os mesmos mecanismos cerebrais estão lá sendo ativados, mas para finalidades diferentes.
2 - Clareza de Visão - grande parte das religiões possui uma visão definida quanto aos seus objetivos e promessas: redenção pessoal, salvação da humanidade, vida após a morte, encontrar o sentido da existência, extinção do sofrimento etc. Empresas também precisam ter a sua missão bem definida, tanto para o cliente quanto para os funcionários. A Microsoft com o seu "Um PC em cada casa" é um excelente exemplo de clareza.
Existe outra abordagem, onde o discurso contém elementos aspiracionais que excitam as moléculas dos sentimentos como a Apple nos anos 80: "O homem é criador de mudanças neste mundo. Como tal deve estar acima dos sistemas e estruturas e não subordinado a eles." As missões religiosas seguem mais essa linha, principalmente quando tocam nas questões relativas à morte, onde o instinto de sobrevivência é diretamente afetado.
E temos o contrário em termos de reação, certos slogans que não deveriam ter sido utilizados como o famoso caso do Mercedez Classe A: "Até você pode ter um Mercedez" - onde lia-se nas entrelinhas "Até você (seu pobre) pode ter um Mercedez". Aqui as emoções também foram acionadas, mas apertaram o botão errado: o da ínsula, parte do cérebro responsável por sentimentos de rejeição.
3 - Poder sobre os inimigos - a existência de um inimigo cria a oportunidade de demonstrar a fé bem como gerar mais união entre os seguidores, esta última valendo-se, muitas vezes, de uma manipulação emocional poderosa: a tática do medo.
Quanto maior o estresse e a insegurança maior é a probabilidade de nos comportarmos irracionalmente desembocando no medo sendo um passo para a superstição. O medo mexe com nossos instintos passando por cima do córtex pré-frontal. Ao expor um ambiente de insegurança generalizado, afirmando que determinados valores caros a uma determinada religião estão acabando ou sendo destruídos por um inimigo qualquer, o cenário está armado. Em relação ao marketing, o mercado de seguros vive do medo. O de segurança privada, idem bem como o de saúde principalmente quando o assunto é saúde dos filhos, onde o instinto de proteção é o alvo principal.
Um inimigo dá sentido a muitas causas religiosas. O termo não foi em vão: causa. Aqui o lado aspiracional da coisa é cutucado sem piedade. Não é a toa que certos cultos cristãos falam tanto em Jesus Cristo quanto no diabo, quando não ampliam o espectro das forças do mal para as religiões afro- brasileiras e até para outros grupos cristãos, garantindo assim, um grande leque de oportunidades para demonstração da fé e assim salvá-lo (mesmo que você não queira ser salvo). Tom Freedman - estrategista e conselheiro sênior do governo Bill Clinton e dono de uma empresa que estuda o processo de tomada de decisão - descobriu que a análise das amígdalas poderia ser benéfica para o desenvolvimento de anúncios políticos. Sendo as amígdalas responsáveis pelas sensações de medo, terror e ansiedade. A manipulação do medo dos eleitores pode ser benéfica em uma campanha como aconteceu nas eleições estadunidenses de 2004, vencidas pelo partido republicano ao focar bastante na ameaça terrorista.
Essa mentalidade "nós contra eles" impera também no mundo do consumo onde, por exemplo, os applemanícos sentiam-se melhores do que os infelizes usuários da Microsoft fora a lendária briga da Coca-Cola versus Pepsi nos E.U.A..
4 - Apelo Sensorial - ao adentrarmos igrejas e tempos somos tomados pelo clima do local, seja pela visão das artes sacras, vitrais ou arquitetura seja pelo cheiro de velas ou perfume utilizado. O silêncio chega a ser um elemento imprescindível para ambientes como esses bem como o chamado de uma membro da mesquita em sua louvação a Alá ou os sinos de uma igreja com seus sons característicos. Esses elementos nos conectam emocionalmente com a religião reforçando o apelo inconsciente a dopamina.
Os mesmos elementos que visam atingir os sentidos burlando a racionalidade são utilizados numa Apple Store na sua arquitetura estilosa, no design de seus produtos e embalagens além da interface gráfica dos programas. Basicamente o sentido mais usado é a visão porém, hoje, já existe uma certa preocupação com os outros quatro fazendo com que o consumo de um produto não seja mera utilização mas uma experiência - e isso inclui a tomada de decisão.
Underhill (2009) chama a atenção para o quanto as empresas perdem em não permitir que o consumidor avalie o produto antes (e isso acontece através dos sentidos). Segundo ele, 90% dos novos produtos alimentícios fracassam porque não são experimentados. Marcas de cueca estão perdendo oportunidade em lacrar o produto nas caixas já que as mulheres sempre tocam a roupa íntima antes, posi querem sentir como será o contato com a pele. Do mesmo jeito com roupas de cama. Por outro lado, supermercados já colocam padarias dentro fazendo com o cheiro do pão fresco estimule a venda, dele mesmo e de outros produtos conjugados. Na Inglaterra algumas lojas de produtos infantis canalizam talco de bebê na ventilação para lembrar aos compradores o cheiro marcante de recém nascidos. Segundo Underhill, os aromas são a nova fronteira do marketing, pois o olfato é um dos sentidos mais negligenciados. Menos para as religiões indianas.
Próximo capítulo: É Diferente mas Igual (continuação)
Capítulo II: A Parte Racional
Capítulo I: Quem manda de verdade lá em casa
- JUNIOR, Marino Raul. A Religião do Cérebro. Editora Gente, 2005.
- HASSAN, Steven. Combatting Cult Mind Control. Park Street Press, 1990.
- LEHRER, Jonah. O Momento Decisivo. Editora Best Business, 2010.
- LINDSTROM, Martin. A Lógica do Consumo. Editora Nova Fronteira, 2009.
- NUNES, José Mauro Gonçalves. Apostila de MBA em Marketing, Comportamento do Consumidor. FGV, 2009.
- PINHEIRO, Roberto Meireles. Comportamento do Consumidor . FGV Editora, 2006.
- UNDERHILL, Paco. Vamos às Compras!. Editora Campus, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário