Ainda criança, lá pelo ano de 1982, comecei a colecionar pra
valer gibis de super-heróis; antes eu me recordo de ler alguns esporadicamente
junto com os tradicionais Turma da Mônica e quadrinhos Disney. Comecei com
Super Aventuras Marvel e , quando o dinheiro do ‘paitrocinio’ permitia, comprava
edições saltadas de Heróis da TV, Hulk, Homem-Aranha e Capitão América. Percebi que aventuras envolvendo o espaço
sideral me atraiam mais e, entendendo isso somente mais velho, estórias de
caráter metafísico – Jornada nas Estrelas passava na TV na
mesma época e contribuiu muito para a minha ‘formação’. Nesse ambiente dois personagens me atrairam
mais: Adam Warlock e Doutor Estranho, o que me levou aos autores: Jim Starlin e Steve Englehart. Tratarei do primeiro neste artigo.
Jim Starlin
Jim Starlin nasceu em Detroit e foi um veterano da Guerra do
Vietnã que sobreviveu a uma queda de helicóptero na Sicília e a explosões no
sudeste asiático. Não tem formação superior fazendo apenas um curso de
psicologia em uma universidade gratuita na cidade de Detroit. Sendo um autodidata disse
em 2008 que: 'Tudo o que eu aprendi sobre
quadrinhos veio de Steve Ditko (1)
e Jack Kirby. E Ditko fazia os melhores layouts'. Também contou que quando
era um garoto de 15 anos, foi a Feira Mundial de Nova York e o único artista
que deu atenção a ele foi Ditko que o convidou a conhecer o seu estúdio. Era pequeno,
mas Starlin ficou maravilhado quando Ditko mostrou a quantidade de material que
usava como referência para desenhar.
Conheci a obra de Starlin numa aventura do herói chamado Adam Warlock em Heróis da TV n° 42.
Tratava-se de um herói cósmico um tanto melancólico tendo sido criado por um grupo de cientistas como o primeiro homem artificial nascendo de um casulo. Foi concebido por um escritor
chamado Roy Thomas que se inspirou na figura de Jesus Cristo, mais especificamente a de Jesus Christ Superstar, uma peça da Brodway que virou filme em
1973. Ele tinha uma joia na testa (ou no chakra 'Ajna') chamada 'Gema Espiritual' dona da capacidade de sugar o espírito de seres vivos para dentro dela, fazendo com dividissem suas memórias com Adam; isso incluiu um aspecto vampiresco ao personagem contribuindo muito para a sua melancolia. Starlin baseou-se fortemente na série inglesa 'O Prisioneiro' para compor a linha geral, pois apreciou o tom surreal beirando o absurdo unido a assuntos sérios. Como se não bastasse, tinha como melhor amigo, Pip o Troll, um anão tagarela, beberrão, que não largava do charuto e chegado em mulheres (ou qualquer alienígena parecido) inspirado visualmente em Jack Kirby, um dos maiores desenhistas de quadrinhos.
Starlin escrevia e desenhava as estórias onde ele enfrentava um alter ego futuro chamado Magus com a ajuda de um aliado inusitado, o vilão Thanos, um semideus insano oriundo da lua de Saturno, Titã. Starlin colocou Warlock como o campeão da vida, um herói louro, com pela alaranjada e trajes vermelho e amarelo, (caráter solar) e Thanos, em sua aparência escura, como campeão da morte – ele era apaixonado por uma personificação da 'maldita'. Posteriormente Thanos matou Warlock que teve o seu espírito levado para a jóia mística por ele mesmo vindo do passado que saiu dela por alguns segundos para transformar Thanos em pedra. Confuso? Sim, mas só lendo para entender melhor. Infelizmente a revista teve curta duração devido a problemas financeiros da editora relativos ao custo de impressão no Canadá. Warlock e outros títulos tiveram que ser cancelados e a saga foi encerrada de maneira abrupta (aqui no Brasil saiu em Grande Heróis Marvel n°1 em 1983).
Ali passei a gostar do que Starlin fazia e soube que ele também trabalhara com outro herói cósmico chamado Capitão Marvel também em Heróis da TV. Marvel era um militar alienígena da raça Kree que se tornou defensor da Terra, usava braceletes de fótons que o permitia voar, disparar raios e viajar no espaço sideral. Não li todas as aventuras que ele escreveu com o Capitão, pois não consegui todas as edições atrasadas, mas eu tinha aquela que até hoje considero uma das melhores do autor(2) chamada ‘Metamorfose’ (3), quando Marvel adquire a Consciência Cósmica (4) da entidade espacial chamada Eon. Para a criatura conceder o poder ao herói, ele enfrentou uma viajem interior que envolveu amor, vida, morte e um self maligno. Segundo livro ‘Marvel Comics: The Untold Story’ de Sean Howe, Starlin era ligado a psicodelia (que incluía doses de LSD) junto com amigos de trabalho como Steve Englehart e Alan Weiss conversavam sobre tudo: templários, Atlântida, os Illuminati, druidismo e Aleister Crowley; coisas do início dos anos 70. Numa dessas conversas os três debaixo de uma cachoeira discutiam sobre Deus e o resultado foi parar numa aventura do Capitão Marvel, onde Thanos, graças ao artefato chamado Cubo Cósmico, torna-se uma divindade, mas perde por não ter adoradores, com o Capitão quebrando o cubo. Englehart transportou isso para o Doutor Estranho colocando-o para enfrentar um mago do século 31 que iria tomar o lugar de Deus (explicarei melhor no próximo artigo).
Autoajuda cósmica: Capitão Marvel e a criatura Eon em Heróis da TV n°11.
Starlin tinha uma abordagem de discorrer ideias metafísicas
num layout de páginas, inspirados em Ditko, que só fui encontrar parecido anos depois via Alan Moore e Steve Bissette no Monstro do Pântano - as histórias dele datam de
1973 enquanto as de Moore de 1984 (5).
Expert nesses temas com toques religiosos, Starlin foi criado em uma escola católica e não guarda muitas lembranças boas da época. Segundo ele as freiras falam coisas absurdas como o presidente Kennedy ser comunista e que a segregação racial era algo positivo, pois sem isso não haveria sistemas de classe e seriam todos comunistas e por aí vai. Ele comparou isso a um processo de lavagem cerebral que o afastou de religiões organizadas, dizendo até temer de certa maneira. E vemos isso em suas estórias, pois na saga de Warlock (um herói descrente de tudo), o seu alter ego maligno criou um culto religioso a sua volta chamado ‘Igreja Universal da Verdade’ e em Dreadstar um dos vilões é a organização chamada de 'Igreja da Instrumentalidade' cujo líder é o maligno Lorde Papal. Somado a isso, Starlin fez o tal curso de psicologia gratuito em Detroit após sair da marinha que forneceu as bases para a sua linha de trabalho.
O fim mais bem realizado nos quadrinhos: o amargurado campeão da vida ajoelha-se, lentamente, perante a morte sucumbindo à inevitabilidade. A cinética da queda do herói é fantástica e o desenho em estilo realista dá mais impacto ao momento, mesmo não sendo em página inteira. Uma aula de composição de cena.
'Psicodelices': Ditko em 1965, Starlin em 1973 e Moore/Bissette em 1985.
Expert nesses temas com toques religiosos, Starlin foi criado em uma escola católica e não guarda muitas lembranças boas da época. Segundo ele as freiras falam coisas absurdas como o presidente Kennedy ser comunista e que a segregação racial era algo positivo, pois sem isso não haveria sistemas de classe e seriam todos comunistas e por aí vai. Ele comparou isso a um processo de lavagem cerebral que o afastou de religiões organizadas, dizendo até temer de certa maneira. E vemos isso em suas estórias, pois na saga de Warlock (um herói descrente de tudo), o seu alter ego maligno criou um culto religioso a sua volta chamado ‘Igreja Universal da Verdade’ e em Dreadstar um dos vilões é a organização chamada de 'Igreja da Instrumentalidade' cujo líder é o maligno Lorde Papal. Somado a isso, Starlin fez o tal curso de psicologia gratuito em Detroit após sair da marinha que forneceu as bases para a sua linha de trabalho.
O fim mais bem realizado nos quadrinhos: o amargurado campeão da vida ajoelha-se, lentamente, perante a morte sucumbindo à inevitabilidade. A cinética da queda do herói é fantástica e o desenho em estilo realista dá mais impacto ao momento, mesmo não sendo em página inteira. Uma aula de composição de cena.
Logo no
início da sua carreira na Marvel Comics, em 1972, ele ganhou uma oportunidade de escrever uma
aventura do Homem de Ferro que estava nas mãos do seu colega de quarto, Mike Friedrich
e temendo não ter outra chance igual, colocou personagens com os quais sonhara
uma vez durante o curso de psicologia em 1971: Kronos, Eros, Mentor, Drax, o Destruidor e o já citado Thanos, que
viria a ser um dos maiores vilões da Marvel - tanto que apareceu no final do recente filme Os Vingadores. Segundo Howe, os personagens
de Starlin não sorriem muito, servindo como gerenciamento da personalidade estressada do autor, que também não lida muito bem com autoridades conflitando
sempre com seus editores Ele e os colegas Steve Englehart e Steve Geber (com
Howard the Duck) fugiam a linha editorial da Marvel que visava sempre meio termos
puxando para os limites dos padrões da empresa, misturando psicologia pop e
crítica social; e o próprio Starlin
comentou: 'Eu estava tão doido quanto o
resto das pessoas depois do caso Watergate e da Guerra do Vietnã. Cada uma
dessas estórias era eu mesmo falando de coisas que se foram e tentando me
colocar nelas; o Capitão Marvel era um militar que decidiu se tornar um deus e
disso tratou a sua viagem', ou seja, ecos da Contracultura.
Jung e cogumelos: Capitão Marvel e a sua sombra em um cenário bem colorido.
Passei a seguir Starlin em tudo o que ele fazia, nas
diversas sagas de Thanos (sem o mesmo brilho da primeira com Warlock), a
excelente A Morte do Capitão Marvel (que ele matou via um câncer e usou como ‘terapia’
pela morte do pai) com destaque para a saga de Dreadstar, um épico de caráter cósmico-existencial que, para mim,
é o seu melhor trabalho. É uma transposição do próprio autor para os quadrinhos
e conta a história de um guerreiro chamado Vanth
Dreadstar oriundo de um mundo gelado portador de uma espada mística que se
oculta dentro dele mesmo, sendo dividida em 4 partes:
Metamorphosis
Odyssey – publicado nos EUA a partir de 1980 na série de revistas Epic
Illustrated, uma tentativa da Marvel Comics
de enveredar por temáticas mais sérias via ficção científica e fantasia
baseada na revista francesa Metal Hurlant – aqui só foi editada em outubro de 2011.
Conta a estória de um mago chamado Aknaton cuja raça, chamada de Osirosianos,
foi a mãe da nossa. Ele vagou pela Via Láctea reunindo um grupo de 4 seres com
o intuito de derrotar uma raça rival chamada de Zygoteanos, dentre os
escolhidos estava Dreadstar. A aventura termina com a destruição da Via Láctea e
Aknaton e Dreadstar fugindo do evento acordando milhares de anos depois em
outra parte do universo onde, furioso pelo que aconteceu, Dreadstar mata
Aknaton. Feita com arte pintada, o trabalho é de uma beleza impressionante cujo
estilo se manteve nas próximas duas partes seguintes;
Um quarteto fantástico: escolhidos para uma odisseia da metamorfose.
O bispo e um gato dos infernos.
Dreadstar
Graphic Novel - nos EUA em 1982 e
aqui em 1988. Narra a vida de Dreadstar depois de Metamorphosis Odyssey. Tornou-se
um fazendeiro em um planeta habitado por uma raça humanoide felina. Casou-se
com uma cientista humana vivendo em paz até a chegada de Darklock que avisa
sobre futuras mudanças no esquema galáctico. Tais eventos atingiriam Dreadstar
e, por isso, o mago passou a instrui-lo em questões relativas a galáxia em que
viviam. Após algum tempo, uma invasão arrasa o planeta, matando a esposa de
Dreadstar que sai em busca de vingança. Após obtê-la, junta-se a Darklock para
instaurar a paz na galáxia que era assolada por um conflito entre dois
grupos: a Monarquia e a Instrumentalidade.
Dreadstar – saiu nos EUA em 1982 e aqui em 1990. Foi uma série mensal contando com 70 edições publicadas por três editoras. No Brasil passou por duas editoras, Abril na série ‘Epic Marvel’ de 1985 a 1986 e Globo na ‘Dreadstar’, de 1990 a 1991. Eu li todas as estadunidenses (graças a internet, claro) e as que saíram aqui foram as melhores.
Tudo que é sólido se desmancha no ar: Dreadstar sofrendo um ataque psíquico.
Starlin sabe unir de forma muito interessante temáticas espaciais com magia além de colocar doses interessantes de existencialismo - na verdade o espaço sideral é uma excelente metáfora para descobertas e explorações, principalmente as internas onde a magia também atua. Vale citar que ele escreveu a história onde o segundo Robin, Jason Todd, morreu espancado pelo Coringa usando um pé de cabra – houve uma votação e os leitores decidiram que Todd iria morrer sendo um sucesso de vendas. Ele ainda continua na ativa, mas após Dreadstar, não li nada com a mesma qualidade, principalmente por conta da arte já que os personagens são duros, muito estilizados e o excelente trabalho volumétrico de sombras foi abandonado. Mas isso não importa, leio todas as novidades que ele lança. Foi indicado a várias premiações, ganhou dois Eagle Awards, três Haxtur Award. Em tempos de Facebook consegui me tornar ‘amigo’ de Starlin e mandar algumas mensagens para ele (que, por sua vez, nunca respondeu, mas tudo bem é prerrogativa do mestre cagar na cabeça do aprendiz ;) ). Quando comecei a ler quadrinhos, os autores eram pessoas inalcançáveis e dificilmente imaginaria contatar um deles. Estou no lucro.
Anos 70: Starlin de tapa olho e Englehart como monge acompanhados de outros artistas da Marvel Comics (detalhe para a ilustração no objeto segurado pelo sujeito de óculos).
A seguir: SteveEnglehart e o Doutor Estranho (um mago muito melhor do que John Constantine).
1- O artista que desenhou as primeiras estórias do Homem Aranha e criou personagens como o Questão e os da Charlton Comics que foram a base para Alan Moore escrever Watchmen. Possui uma visão política conservadora que colocou em seus quadrinhos e vive recluso em Manhattan ainda em atividade aos 87 anos - ele não é uma das minhas inspirações mas merece um artigo futuramente.
2 - Assumo que é uma conclusão que envolve memória afetiva, pois o autor escreveu coisa melhor ao longo dos anos.
3 - Heróis da TV n° 11 publicado nos EUA em 1973 e aqui em 1980.
5 - Por aqui Moore apareceu na revista Novos Titãs n° 4 em 1986. Ele fez um trabalho junto com Starlin na série da Image Comics chamada Supremo. Saiu aqui no Brasil, mas não foi lá grande coisa, sendo apenas uma estória centrada no vilão da série. Moore escreveu e Starlin desenhou sem a mesma qualidade apresentada nos anos 70.
Um comentário:
E GILGAMESH II, gostou?
Saiu pela Globo, primeiro em mini série, depois num encadernado em 1991
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